Mombojo

Quando não vinham do Sul do País, os rebeldes da situação já eram conhecidos: a turma lá de cima, do Nordeste. Lá se vão muitos anos, coisa de século 19. E era do Sudeste, no Rio de Janeiro, que vinha a ordem: mandem as tropas para lá. E foi nesse vai-vem de querer a independência – e os pernambucanos tinham suas razões: pobreza generalizada e o pagamento de altos tributos ao Império – que muitas cabeças rolaram, literalmente.

Pernambuco, principalmente as cidades de Recife e Olinda, tinha sempre aquele estado de ebulição. Como uma das primeiras cidades brasileiras a se firmar ainda no tempo de colônia, os ideais liberais já tomaram conta dos pensadores das cidades, enquanto em outras regiões o que importava ainda era o Café-com-Leite.

Essa ebulição permanece até hoje, principalmente na área cultural das cidades. Por outro lado, a nova safra de artistas abandona as raízes separatistas e desbravam o País levando os fortes traços da cultura pernambucana, principalmente no grande centro brasileiro: São Paulo. “Temos uma carga cultural forte, própria de quem é do Recife. Isso é uma identidade. Uma marca”, comenta Lucio Maia, integrante da banda Nação Zumbi.

A banda Nação Zumbi, junto com a banda Mundo Livre S/A, foi o marco zero da referência pernambucana na cena pop brasileira; as duas bandas foram o porta-estandarte do movimento Manguebeat, o qual mistura rock, hiphop, maracatu e música eletrônica. Este ano, se completa os 15 anos do primeiro álbum do Chico Science e a Nação Zumbi, Da Lama ao Caos.

Pouco mais de uma década e meia após a consolidação do movimento pernambucano, por meio do manifesto do mangue, um punhado de bandas despontam bem cotadas nas noites paulistas. Mombojó, China, Eddie, 3 na Massa, Vitor Araújo, Seu Chico e DizMaia são apenas algumas das bandas que romperam a membrana de seu estado de origem e enchem casas noturnas pelo Brasil, principalmente no circuito alternativo paulistano. Quase toda semana uma banda pernambucana sobe aos palcos de alguma casa de show de São Paulo. E o sucesso não são pelas dancinhas esquisitas do China ou do Felipe S. – do Mombojó -, definitivamente.

O clube Studio SP se tornou a Meca daquela região na capital paulista, ‘vísse‘? Apesar de muitas atrações pernambucanas, o público é formado, basicamente, por paulistanos. Não é difícil encontrar algum dia do mês o show da 3 na Massa, Del Rey ou Seu Chico. “A diferença dos shows em São Paulo é que o público está mais acostumado a pagar para ir aos shows”, comenta o guitarrista do Mombojó Marcelo Machado sobre a diferença do público paulista e pernambucano.

Talvez Pernambuco seja o estado que mais atue musicalmente na cidade de São Paulo. Mesmo “a cidade sendo sempre muito acolhedora com todos”, como diz Dengue, da banda 3 na Massa; Recife e arredores têm um espaço grande com os jovens de todos cantos do País que vivem na capital paulista. “Talvez pela proposta musical, ou pelo fato de sermos de outra região. Há sempre um interesse mútuo de trocar toda sorte de informações. Pode ser tudo isso junto ou nada disso. É difícil saber quando você está dentro do processo”, filosofa Dengue, que, além de ser integrante do 3 na massa, também faz parte do Nação Zumbi desde seu início.

O lugar comum entre os artistas é que em São Paulo há espaços para todas as manifestações culturais. A partir daí, cada um faz o seu show, de fato. “Em São Paulo tudo tende a acontecer porque sempre tem pessoas interessadas em idéias novas. O Sesc SP abraça muitas causas que a grande mídia vira as costas. O número de casas de shows é grande e tem espaço pra todos. Isso mantém as possibilidades vivas”, explica o guitarrista da Nação Zumbi, Lúcio Maia.

Segundo Fábio Trummer, vocalista da banda Eddie, os espaços sempre disponíveis para a sua música também viabilizam um maior contato com o público. “Temos uma boa aceitação nos centros ‘sudestinos’, mantemos uma regularidade de shows, o que facilita esta aceitação. Mas, no geral, são sempre positivas nossas apresentações no Sudeste, nos centros e nas cidades menores.”

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Da lama ao caos

A cidade de São Paulo também se tornou o ‘meio do caminho’ para as bandas se encontrarem e trocarem figurinhas. “Somos todos amigos e gostamos de estar juntos, seja trabalhando, seja simplesmente enchendo o saco uns dos outros [coisa que gostamos mais do que trabalhar]”, brinca Dengue.

Muitos músicos dessa safra já moram na capital paulista e aproveitam para dar uma palhinha no show dos conterrâneos, quando eles aparecem. Foi o caso do show do Mombojó no Studio SP, em março, quando reuniu, além da banda anfitriã, o China e o pianista Vitor Araújo no mesmo palco. “Há um intercâmbio que se dá de formas variadas: alguns são amigos, outros são músicos convidados a gravar ou tocar, outros são divulgadores, outros cantam as musicas de outros”, comenta o vocalista da banda Eddie.seuchico

Vitor Araújo começou a despontar no cenário musical como o menino-prodígio da música clássica. Anos se passaram e a estatura de menino foi ficando para traz e o talento prodígio crescendo; hoje, com 19 anos, ele trabalha em paralelo com uma banda de releituras dos sambas de Chico Buarque. Combinação que deu certo e lota casas de show por onde passa.

Para Marquinhos, vocalista da banda cover de Tim Maia, a DizMaia, “nessas cidades [São Paulo e Rio de Janeiro], a probabilidade é, com certeza, bem maior. Mas também é verdade que é preciso estar no lugar certo e na hora certa”.

Os novos pernambucanos já passeiam pela garoa de São Paulo e já a curtem numa boa. “O povo de Pernambuco que mora em São Paulo se encontra mais para encher a cara do que para fazer som”, Lucio Maia dispara ao fechar o papo. E pelo jeito, curtem mesmo, numa boa.