agosto 2009


Mombojo

Quando não vinham do Sul do País, os rebeldes da situação já eram conhecidos: a turma lá de cima, do Nordeste. Lá se vão muitos anos, coisa de século 19. E era do Sudeste, no Rio de Janeiro, que vinha a ordem: mandem as tropas para lá. E foi nesse vai-vem de querer a independência – e os pernambucanos tinham suas razões: pobreza generalizada e o pagamento de altos tributos ao Império – que muitas cabeças rolaram, literalmente.

Pernambuco, principalmente as cidades de Recife e Olinda, tinha sempre aquele estado de ebulição. Como uma das primeiras cidades brasileiras a se firmar ainda no tempo de colônia, os ideais liberais já tomaram conta dos pensadores das cidades, enquanto em outras regiões o que importava ainda era o Café-com-Leite.

Essa ebulição permanece até hoje, principalmente na área cultural das cidades. Por outro lado, a nova safra de artistas abandona as raízes separatistas e desbravam o País levando os fortes traços da cultura pernambucana, principalmente no grande centro brasileiro: São Paulo. “Temos uma carga cultural forte, própria de quem é do Recife. Isso é uma identidade. Uma marca”, comenta Lucio Maia, integrante da banda Nação Zumbi.

A banda Nação Zumbi, junto com a banda Mundo Livre S/A, foi o marco zero da referência pernambucana na cena pop brasileira; as duas bandas foram o porta-estandarte do movimento Manguebeat, o qual mistura rock, hiphop, maracatu e música eletrônica. Este ano, se completa os 15 anos do primeiro álbum do Chico Science e a Nação Zumbi, Da Lama ao Caos.

Pouco mais de uma década e meia após a consolidação do movimento pernambucano, por meio do manifesto do mangue, um punhado de bandas despontam bem cotadas nas noites paulistas. Mombojó, China, Eddie, 3 na Massa, Vitor Araújo, Seu Chico e DizMaia são apenas algumas das bandas que romperam a membrana de seu estado de origem e enchem casas noturnas pelo Brasil, principalmente no circuito alternativo paulistano. Quase toda semana uma banda pernambucana sobe aos palcos de alguma casa de show de São Paulo. E o sucesso não são pelas dancinhas esquisitas do China ou do Felipe S. – do Mombojó -, definitivamente.

O clube Studio SP se tornou a Meca daquela região na capital paulista, ‘vísse‘? Apesar de muitas atrações pernambucanas, o público é formado, basicamente, por paulistanos. Não é difícil encontrar algum dia do mês o show da 3 na Massa, Del Rey ou Seu Chico. “A diferença dos shows em São Paulo é que o público está mais acostumado a pagar para ir aos shows”, comenta o guitarrista do Mombojó Marcelo Machado sobre a diferença do público paulista e pernambucano.

Talvez Pernambuco seja o estado que mais atue musicalmente na cidade de São Paulo. Mesmo “a cidade sendo sempre muito acolhedora com todos”, como diz Dengue, da banda 3 na Massa; Recife e arredores têm um espaço grande com os jovens de todos cantos do País que vivem na capital paulista. “Talvez pela proposta musical, ou pelo fato de sermos de outra região. Há sempre um interesse mútuo de trocar toda sorte de informações. Pode ser tudo isso junto ou nada disso. É difícil saber quando você está dentro do processo”, filosofa Dengue, que, além de ser integrante do 3 na massa, também faz parte do Nação Zumbi desde seu início.

O lugar comum entre os artistas é que em São Paulo há espaços para todas as manifestações culturais. A partir daí, cada um faz o seu show, de fato. “Em São Paulo tudo tende a acontecer porque sempre tem pessoas interessadas em idéias novas. O Sesc SP abraça muitas causas que a grande mídia vira as costas. O número de casas de shows é grande e tem espaço pra todos. Isso mantém as possibilidades vivas”, explica o guitarrista da Nação Zumbi, Lúcio Maia.

Segundo Fábio Trummer, vocalista da banda Eddie, os espaços sempre disponíveis para a sua música também viabilizam um maior contato com o público. “Temos uma boa aceitação nos centros ‘sudestinos’, mantemos uma regularidade de shows, o que facilita esta aceitação. Mas, no geral, são sempre positivas nossas apresentações no Sudeste, nos centros e nas cidades menores.”

montagem
Da lama ao caos

A cidade de São Paulo também se tornou o ‘meio do caminho’ para as bandas se encontrarem e trocarem figurinhas. “Somos todos amigos e gostamos de estar juntos, seja trabalhando, seja simplesmente enchendo o saco uns dos outros [coisa que gostamos mais do que trabalhar]”, brinca Dengue.

Muitos músicos dessa safra já moram na capital paulista e aproveitam para dar uma palhinha no show dos conterrâneos, quando eles aparecem. Foi o caso do show do Mombojó no Studio SP, em março, quando reuniu, além da banda anfitriã, o China e o pianista Vitor Araújo no mesmo palco. “Há um intercâmbio que se dá de formas variadas: alguns são amigos, outros são músicos convidados a gravar ou tocar, outros são divulgadores, outros cantam as musicas de outros”, comenta o vocalista da banda Eddie.seuchico

Vitor Araújo começou a despontar no cenário musical como o menino-prodígio da música clássica. Anos se passaram e a estatura de menino foi ficando para traz e o talento prodígio crescendo; hoje, com 19 anos, ele trabalha em paralelo com uma banda de releituras dos sambas de Chico Buarque. Combinação que deu certo e lota casas de show por onde passa.

Para Marquinhos, vocalista da banda cover de Tim Maia, a DizMaia, “nessas cidades [São Paulo e Rio de Janeiro], a probabilidade é, com certeza, bem maior. Mas também é verdade que é preciso estar no lugar certo e na hora certa”.

Os novos pernambucanos já passeiam pela garoa de São Paulo e já a curtem numa boa. “O povo de Pernambuco que mora em São Paulo se encontra mais para encher a cara do que para fazer som”, Lucio Maia dispara ao fechar o papo. E pelo jeito, curtem mesmo, numa boa.


chet baker

Tudo bem. Estamos até um pouco atrasados. Já faz 21 anos, dois meses e alguns dias. Mas isso não importa tanto. Certamente somos o primeiro veículo a lembrar, neste ano, que em 13 de maio de 1988 um dos mais versáteis trompetistas da história do jazz partia, num trágico acidente em Amsterdã, na Holanda.

Talvez não seja nem tanto mérito ser um dos únicos veículos a publicar algo sobre Baker neste ano, já que o que faz o frisson de jornalistas e da imprensa são datas que sejam múltiplas de cinco, como 15, 20, 25, ∞. Pelo jeito, essa matéria está mesmocom um ano de atraso.chet4

De qualquer forma, a obra de Chet Baker continua sendo fantástica neste hiato de quatro anos. Músico talentoso de Oklahoma, interior dos EUA. Nasceu no ano da grande depressão, 1929, e provavelmente a tristesse do período tenha influenciado sua música : recheada de melancolia entre os compassos dos solos de trompete.

Música que nunca ficou no esquecimento: interpretada por nomes que vão desde Miles Davis a Jamie Cullum. Talvez Baker seja o grande nome do jazz que transitou com elegância entre a música instrumental e as sussurradas interpretações de sua voz, como I fall in love too easily. Sussurros, que dizem por aí, que foram rapidamente incorporados por João Gilberto à sua música. Elegante e intimista, Baker, influenciou o gênero brazuca mais em alta no exterior: a bossa nova. Essa ligação pôde ficar ainda mais clara quando um dos parceiros de Chet, Stan Getz, gravou com Tom Jobim e João Gilberto uma série de álbuns que serviram de cartão de visita da bossa para o resto do mundo. Musicas que falavam de Copacabana, corcovado, desafinados e [porque não?] patos.

Sussurros e solos melancólicos deram o rótulo de cool para as musicas dele. Apesar da calmaria de suas interpretações, Baker sempre enfrentou, durante a sua carreira, problemas com a dependência de drogas, o que o levou a ter altos e baixos na sua história musical. Mesmo com discos antológicos como Chet Baker in Paris e com versões que se tornaram o manual básico para os músicos de jazz como Angel eyes e When I fall in love, o músico do modesto Oklahoma caiu no ostracismo pelo vício de drogas. Depois de perder parte dos dentes da boca, após uma surra por causa de uma dívida com traficantes, Baker teve que reinventar o seu jeito de tocar trompete, já que perdera a anatomia de sua boca.

Foi dessa forma que ele se apresechet1ntou no Free Jazz, no Brasil, em 1985. Na ocasião Chet fez duas performances: uma no Rio e outra em São Paulo. Em sua apresentação no Rio ele chegou atrasado. Segundo a “lenda”, ele estava na praia tomando caipirinha e esquecera-se do show. Quando foi fazer a apresentação já estava “calibrado” e não rendeu tanto.

Já o show na terra da garoa, foi uma apresentação que a crítica da época elogiou bastante e por pouco o Maksoud Plaza, em São Paulo, não se tornou o cenário de sua morte. O músico roubou a maleta do médico que o acompanhava, tomou uma overdose de medicamentos e quase morreu. O que efetivamente aconteceu três anos mais tarde, em Amsterdã, quando Chet caiu da janela de um hotel. Após o acidente a perícia encontrou drogas em seu quarto.

Baker morreu, mas deixou um legado ímpar na história do jazz. Influência de músicos jovens como Diana Krall, Norah Jones, Jamie Cullum, a banda brasileira Delicatessen Jazz e até de gigantes do jazz como Miles Davis. E por falar em Davis, em breve ele deve ocupar todas as capas de jornais, de revistas especializadas e de tributos, já que o álbum Kind of blues tem a combinação perfeita dos ‘critérios’ jornalísticos: o disco mais vendido da história do jazz e a comemoração dos 50 anos do álbum.

Texto publicado na edição nº295 da Revista Paradoxo